MUSEALOGAR É PRECISO...


A ideia de criar este blog surgiu quando me solicitaram alguns dos artigos que havia publicado sobre as pesquisas realizadas no Programa de Pós-Graduação em História Social/UFU. Hoje, com as atividades de ensino e pesquisa desenvolvidas no Curso de Museologia da UFG, em Goiânia, o objetivo se ampliou. Musealogar é preciso... é um instrumento que favorece a troca de conhecimentos e procura contribuir para o estabelecimento de um diálogo franco entre aqueles que se interessam por temáticas como museologia social, história social, educação museal e Políticas Públicas Culturais.


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Prata, Triângulo Mineiro, Minas Gerais, Brazil
Ivanilda Junqueira é pratense, doutora em História Social pela Universidade Federal de Uberlândia e professora do Curso de Museologia, da Faculdade de Ciências Sociais / UFG, Goiânia/GO.

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MEIO-AMBIENTE E PATRIMÔNIO HISTÓRICO: UMA RELAÇÃO A SER EXPLORADA



Ivanilda Aparecida Andrade Junqueira
   
   

Resumo: Este artigo resulta de um projeto desenvolvido junto aos alunos da 4ª série da Escola Municipal da Vila Vicentina, localizada em Prata/MG, e seu objetivo principal é a conscientização dos mesmos quanto ao valor da preservação ambiental relacionando-a à preservação do Patrimônio Histórico. O mesmo foi apresentado no III Encontro de Professores de História realizado em setembro/2001 na cidade de Uberlândia.

Abstract: This design has developed together to the pupils of 4ª série of Escola Municipal da Vila Vicentina, located in Prata/MG, and its main purpose is the awarenes of some them how much to the valve of the ambient preservation of the historical patrimony. The same it has presented in the third meeting of History Teachers in September/2001 carried in the city of Uberlândia/MG.

 No início do ano de 2001, teve início na cidade de Prata, Minas Gerais, o desenvolvimento de um projeto de conscientização quanto à importância da preservação do meio ambiente pela empresa sediada na cidade, Faber Castell, junto às escolas do município.
 O objetivo principal desse projeto era criar multiplicadores que teriam como função conscientizar a população geral quanto à importância da preservação da natureza, mostrando a relação entre o meio ambiente e o indivíduo que nele vive, levando em conta suas ações sociais e sua relação com a natureza.
 O público alvo do projeto era a comunidade escolar municipal. Através das atividades que foram desenvolvidas durante três meses, pretendia-se dotar o aluno da capacidade individual de analisar as conseqüências resultantes do descuido do ser humano para com o seu habitat natural, e às várias modificações a que está sujeito devido à necessidade que o homem tem de moldá-lo à sua maneira, construindo pontes, casas, represas, indústrias; cuja influência no meio ambiente, pode vir a ser desastrosa.
 Dentre as atividades realizadas na Escola Municipal da Vila Vicentina, na qual leciono para a 4ª série, destaco especialmente a construção de maquetes, através das quais alguns alunos explicaram fenômenos naturais; produção de poemas de exaltação à água, produção de textos sobre os diversos fatores que contribuíram para a diminuição das águas, tais como, o desmatamento, as queimadas, o crescimento desenfreado das cidades, o acúmulo de lixo em locais inapropriados; entrevistas com pessoas aptas a transmitirem informações técnicas, como um engenheiro agrônomo; a gravação de um telejornal ambiental mostrando a situação atual do Córrego Nossa Senhora do Carmo, às margens do qual, a cidade se desenvolveu; a comparação de fotografias antigas e atuais da cidade, com os devidos questionamentos direcionados aos alunos.
 Desenvolvendo a pesquisa sobre o tema que escolhi para monografia, “Patrimônio Histórico: a reconstituição da história da Praça XV de Novembro e seus significados”, pensei, então, trabalhar a relação entre preservação do patrimônio histórico e preservação do meio ambiente, no qual o patrimônio encontra-se inserido. O projeto me permitia tal intento por enfatizar a interdisciplinaridade, além de ser extensivo a todo o ano letivo.
 Segundo o artigo publicado na revista Cadernos de História número 8, “Pensando a paisagem como uma possibilidade para o ensino de História”, do professor Rinaldo José Varussa, os denominados estudos do meio apontados pela publicação “Parâmetros Curriculares para o Ensino de História” ( 3º e 4º ciclos do ensino fundamental ) permitirão o desenvolvimento da produção do conhecimento histórico em sala de aula. Contudo, ele salienta que as atividades não devem se restringir apenas “a visitas nos locais a serem estudados, mas que compreendam um conjunto de estudos e pesquisas preliminares e posteriores àquela etapa”  
 A partir desse ponto, é interessante perceber que vários elementos do meio ambiente são passíveis de despertar o interesse histórico dos estudantes, como no caso das instalações da antiga estação de coleta de água, visitada por eles, a qual, depois de construída, nem mesmo chegou a funcionar por apresentar problemas técnicos. Várias questões foram suscitadas , tais como, qual o prefeito que exercia o mandato, e conseqüentemente, foi o responsável pela obra; por que não foi possível fazer uma restauração da tubulação defeituosa; com que justificativa o local foi escolhido para tal fim.
 É preciso salientar também que, um passo importante para o desenvolvimento do estudo do meio é, segundo Joana Neves, a necessidade de se perceber a realidade atual e também a realidade local que o estudante vive, ou seja, a dimensão local, a vida familiar, o grupo a que pertence e, isso acontece “através da percepção da vida que se vive no momento que se vive; é, portanto, o presente que estabelece as diretrizes para o estudo de história que, é preciso que se frise, mais uma vez, é a ciência do tempo e não apenas do passado”. 
 Quanto à Escola Municipal da Vila Vicentina, por estar localizada em uma comunidade carente, não tinha condições financeiras favoráveis ao desenvolvimento de atividades que apresentassem maiores gastos. Portanto, residia aí, a necessidade de se respeitar o contexto social a que os estudantes pertenciam.
 Quando resolvi gravar o telejornal, o fiz, por pretender desenvolver uma atividade diferente e, que, além disso, estimulasse as crianças. Graças ao empréstimo de uma câmera, feito por um amigo, consegui realizar o projeto, mesmo que repleto de falhas técnicas, devido à sua artesanabilidade. O objetivo principal, que era a participação de todos os alunos na atividade, foi alcançado, e o roteiro foi elaborado levando-se em conta o pouco tempo que tínhamos e o nível de aprendizagem das crianças.
 Foi marcada uma entrevista com o engenheiro agrônomo Rome Godoy, na qual, seriam feitas perguntas, cujas respostas seriam de um nível técnico, porém, de fácil compreensão, mas que visavam a transmissão de informações esclarecedoras quanto à precariedade em que se encontram matas e mananciais responsáveis pela sobrevivência no planeta. A entrevista seria gravada no escritório do engenheiro e, como havia a necessidade de se aproveitar o tempo, a gravação da reportagem às margens do córrego Nossa Senhora do Carmo, mostrando o estado poluído em que se encontra atualmente, teria que ser realizada na mesma manhã. Desse modo, toda a classe participou de cada uma das etapas das atividades.
 Como o objeto principal da análise de estudo era o córrego, a oportunidade que surgia para o desenvolvimento de uma pesquisa sobre a história da cidade que nasceu às suas margens, não poderia ser ignorada. Só era preciso instigar os alunos a buscarem informações em livros que tratassem da história do município, ou mesmo, através de entrevistas com as pessoas mais idosas da comunidade.
 Quanto à preservação do patrimônio, o primeiro passo seria analisar, junto com os alunos, se na cidade havia algum monumento que mantinha seus traços arquitetônicos originais em bom estado de conservação. Como tal fato não se verificou, a delimitação do espaço para o “estudo do meio”, era o ponto de partida. Em seguida, definir o local a ser estudado, optando-se pela praça principal denominada XV de Novembro, foi importante, pois, através de fotografias antigas e a visita ao local com o fim de observar as transformações ocorridas ao longo do tempo, levou os alunos a questionamentos interessantes, dentre eles, como se deu o desenvolvimento da praça desde sua origem; se a demolição de alguns monumentos anteriores teria sido realmente necessária. Outro aspecto abordado no estudo da praça, é o viver social, as transformações e mudanças que alteraram o padrão arquitetônico ditado em outras épocas. Por meio da análise de uma série de fotografias e fazendo uma comparação entre elas, foi possível constatar as várias transformações ocorridas no processo de seu desenvolvimento e, considerando-as, foi interessante descobrir a influência que exerceram no cotidiano dos seus frequentadores.
 Quanto a este aspecto, é interessante resgatar a visão de região construída por Raphael Samuel como o campo da história local. Este autor afirma ainda, que as fontes locais são infinitamente variadas e darão ao historiador uma visão mais imediata do passado. Ele valoriza a força popular e, em se tratando das fotografias da referida praça, as mesmas serviram de estímulo para que as pessoas entrevistadas se questionassem quanto ao local onde moram e sobre o modo como viveram seus antepassados.
 “Eles tem aguçado sendo de herança, valorizando a hiconografia – velhos contratos de aprendizagem ou cartões do dia dos namorados, medalhas de bronze por freqüência, livros de prêmio da escola dominical, cartões postais de férias – e, uma vez que sua curiosidade tenha sido estimulada, elas poderão ficar ansiosas por ajudar, remexendo nos velhos papéis, para ver o que podem cavar, submetendo-se a questionamentos detalhados, e oferecendo voluntariamente informações. Freqüentemente o historiador local estará utilizando a reflexão acumulada sobre sua experiência de vida e não é acidental que tantas histórias de vilas e paróquias tenham sido escritas por homens e mulheres ativamente engajados em eventos locais...” 
 Partindo deste pressuposto, as crianças elaboraram vários questionamentos, tais como, o resultado das várias reformas praticadas no espaço físico da praça foram satisfatórias? A preservação do chafariz e do coreto, em cuja escada algumas crianças posam para a fotografia tem algum significado para as pessoas entrevistadas? Não seria possível integrar esses elementos no processo de desenvolvimento do local, preservando, desse modo, um pouco da memória e das tradições da cidade?
 Vale lembrar, então, que José Mattoso, ao falar dos monumentos históricos que pretendem exaltar o passado, considera a paisagem como documento, referindo-se às marcas que o homem tem deixado nela e, enfatiza a importância de se examinar essas marcas. Salienta que na paisagem urbana, os vestígios são mais facilmente perceptíveis.
Considerando a teoria proposta por Mattoso, a fotografia pode e deve ser utilizada como fonte documental ao retratar edifícios, praças ruas e casas da cidade que formam a paisagem urbana. Nela, a figura humana está sempre presente, mesmo que apenas por abstração. Através da fotografia dessa paisagem será possível fazer uma análise do cotidiano das pessoas na época em que a mesma foi produzida.
 Através da pesquisa feita pelos alunos, foi possível constatar que o desenvolvimento das praças ocorreu, quase sempre, em torno de uma igreja, para onde converge todas as ruas que vão nascendo. Essa característica levará à compreensão do valor que a sociedade atribuía aos símbolos religiosos, principalmente os católicos. É possível, ainda, compreender o condicionamento das pessoas à religiosidade e a força que tais ritos exerceram e ainda exercem no seu cotidiano.
 À medida em que se desenvolveu, a praça assume um significado social. Praticando uma atividade de observação em que os alunos produziram vários desenhos demonstrando como enxergam a praça, foi possível refletir sobre a semelhança do local com outros existentes em muitas outras cidades e, para isso, nos embasamos na noção de região exposta por Peter Burke. Esse autor trabalha com a tese de que a cultura popular não deve ser estudada apenas no nível regional, pois ela é “além fronteiras”, apesar da existência de barreiras como a lingüistica, por exemplo. Segundo Peter Burke, “o cristianismo há muito tempo vinha convertendo a cultura européia num conjunto unitário. As mesmas festas eram celebradas por toda a Europa; os mesmos santos principais eram venerados em todos os lugares; espécies semelhantes de peças religiosas eram encenadas”.  
 Desse modo, partindo de uma observação criteriosa, os alunos puderam perceber que o mesmo ocorre nos diferentes contextos em que uma praça se insere. As festas religiosas que acontecem normalmente no entorno das Igrejas (praça) são semelhantes tanto na cidade de Uberlândia, quanto na cidade de Prata, localizadas a 70 Km de distância uma da outra no interior de Minas Gerais.
 Para Peter Burke, quem trabalha com cultura popular e se preocupa com o campo regional, vai se preocupar também com o questionamento desse campo e com a sua vasticidade
 Considerando também o pensamento de Raphael Samuel quando se refere à identificação dos tipos de comunidade, pudemos recriar em nossa mente, acontecimentos passados, pois, segundo este autor, a análise do cotidiano das pessoas, muitas vezes irá informar mais sobre o crescimento das cidades, do que se for realizada uma pesquisa estatística para verificar como se deu este crescimento. Por meio dos depoimentos orais podemos desenhar novos mapas, devido à ligação das pessoas aos lugares e objetos e, dessa maneira, criar uma documentação totalmente nova e com identidade própria.
 O resultado do projeto apresentado acima, superou as minhas expectativas e, isso torna-se evidente quando observo o nível do desenvolvimento do material produzido pelos alunos, principalmente as produções de texto, através das quais, foi possível organizar e editar o livro “Nossas Palavras”, de autoria dos alunos da referida série. A diversidade dos temas resulta dos vários assuntos discutidos em sala de aula. Duas delas, encontram-se reproduzidas abaixo:

 “Patrimônio Histórico: porquê preservar.
 Os homens não tem idéia do que estão fazendo com as tradições que fazem a gente conhecer como eram a vida dos meus avós e tataravós.
 É por isso que as tradições e as coisas antigas estão desaparecendo. Os homens querem melhorar a cidade, mas não tem cabeça para ver que não é só o novo que tem valor. É preciso preservar a natureza e também as tradições antigas.
 Vamos tratar de deixar casas antigas e outras coisas importantes para termos uma lembrança do que foi o passado. 
 Antigamente, as pessoas vinham das fazendas para as festas da praça, para festejar a Igreja e todos eles ficavam muito felizes. 
 Os povos traziam seus filhos para jogar futebol e para brincar de esconde-esconde e um monte de outras brincadeiras. Hoje isso não acontece mais.
 Eu prometo que, se for alguém na vida, vou cuidar de educar as outras crianças. Elas têm que ficar na escola, pois, é lá que elas podem aprender a respeitar a natureza e as tradições. Assim o mundo é respeitado também.” 
  Daiane de Fátima

  “Patrimônio Histórico: preservar é preciso
 Antigamente o homem cuidava mais do patrimônio histórico. Agora ela não quer nem saber mais disso. Só quer se divertir com os negócios novos que vão aparecendo cada dia mais rapidamente. 
 Aqui na nossa cidade não tem um prédio antigo, porque eles derrubaram para construir um novo. Os homens acham melhor um novo que um antigo.
 Eles ficaram muito felizes quando inventaram a televisão. Eles assistiam de manhã, de tarde e de noite todos os dias. Eles chamavam os amigos para vir assistir filmes, desenhos e novelas. Mas, eles esqueceram como era bom passar as tardes conversando na praça. 
 A gente também tem que saber cuidar do patrimônio e ensinar as outras crianças a fazer isso também. 
 Eu não preciso fazer promessa para cuidar do meio ambiente e do patrimônio. 
 Eu vou cuidar da história da minha cidade.”
  Damaiani Nayara Costa e Silva.

 A partir desse projeto, pude perceber que com incentivo e trabalhando a conscientização, é possível resgatar valores perdidos advindos com crescimento urbano e o desenvolvimento tecnológico. A sociedade não encontra-se imune, pois, elos fortes ainda a matem ligada à história de seus antepassados e do local onde vive.
  
Referências Bibliográficas:  
BURKE, Peter. A Era de Braudel. In:
MATTOSO, José. A Escultura da História, Teoria e Métodos, Editora Estampa, 1997-01-01
NEVES, Joana. O Ensino de História Local. In: Cadernos de História, 5, vol.5, 1994.
SAMUEL, Raphael. Documentação, História Local e História Oral, Editora Brasiliense, R.H., 19, 1990.
VARUSSA, Rinaldo José. Pensando a Paisagem como uma possibilidade para o ensino de história. In: Cadernos de História, 8, vol. 1, 1999/2000.